segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Jeremy Clarkson e a gasolina

101310_jeremy_clarkson_the_italian_job_t


Como tenho uma filha adolescente, a televisão da minha casa está quase sempre ligada em um canal com clipes de música, onde uma porção de garotos usando calças estúpidas dizem a seus fãs para fumar maconha. É uma sucessão de instruções para “matar um policial” e “virar prostituta”.


O curioso é que parece que há muito pouco consumo de drogas nos vídeos, mas eles mostram muitos carros. E tem uma coisa que eu percebi. Os caras com calças enormes e largas dirigem muito, muito devagar. Mais devagar que Percy Thrower, que, claro, está morto.



É algo perturbador. Não existia isso de clipes musicais quando eu era jovem, mas eu tenho certeza que se o Led Zeppelin fizesse algo do tipo, e quisessem colocar usar um carro - o que é improvável - eles não estariam rodando a 20 km/h.


Rockstars de verdade, que conseguiam de fato tocar um instrumento, tinham Ferraris, e eles as dirigiam a velocidades absurdas, normalmente em direção a uma piscina. E era a mesma coisas com os personagens dos filmes. James Dean não estava a 20 km/h quando atingiu Donald Turnipspeed. E Steve McQueen não ficava passeando tranquilamente por São Francisco. Ele voava. Literalmente. A velocidade era algo bom. A velocidade funcionava.


Quando eu era jovem, todos nós queríamos dirigir rápido. Dirigir rápido e fazer curvas com o freio-de-mão e queimar borracha quando saíamos do sinal vermelho: nenhuma dessas coisas provou ser capaz de conquistar o coração de uma garota, mas sabíamos pelo modo como elas riam que elas nos adoravam por isso. Elas achavam que éramos homens de verdade. Então íamos cada vez mais rápido, até bater.


A velocidade máxima de um carro significava tudo. Todo mundo tinha um conhecido chamado Kev que tinha um Fiesta que chegava aos 240 km/h. Todos nós tínhamos histórias sobre vencer um Porsche 911 Turbo no rodoanel. E as luzes dos semáforos não eram sinais para ajudar o trânsito a fluir de manhã. Eram luzes de largada. Vermelho: acelere. Amarelo: acelere mais. Verde: solte a embreagem. Na minha cabeça, esse era o Código de Trânsito da época.


Na primeira vez que fui parado pela polícia por excesso de velocidade - o que era muito raro de ocorrer - eu fiquei com tanta vergonha de estar a apenas 140 km/h que disse a meus amigos que estava a 190. E mesmo assim eles não ficaram impressionados porque, como sabemos, todos conheciam um sujeito chamado Kev que tinha um Fiesta que fazia 240.


A essa altura você deve estar esperando que eu diga a todos os jovens de hoje para largar seus capacetes de bicicleta e seus coletes de segurança fluorescentes e dar uma maldita acelerada em suas vidas. Mas receio que isso não faça absolutamente nenhum sentido. Porque é algo impossível.


Não são a saúde e a segurança que estão os freando. Jovens não são programados para entrar na água na ponta dos pés quando podem mergulhar de cabeça. E também não são os estereótipos da MTV ou como quer que se chame aquele canal hoje em dia. Se os jovens realmente ouvissem o que esse pessoal tem a dizer, eles estariam no jardim, criando porcos e cuidando de hortas. E eles não estão.


Também não é culpa da guerra incansável dos governos contra a velocidade, ou Jonathan Porridge proclamando aos quatro ventos que a calota polar está derretendo, porque sabemos que nesse ano o volume de gelo polar aumentou drasticamente.


Não. O verdadeiro motivo pelo qual os garotos nos clipes de música - e no mundo real - deixaram de dirigir rápido é que, com o preço da gasolina, é simplesmente caro demais.


E não são só os jovens. Os pilotos da Fórmula Um andam devagar - eles dizem - para economizar pneus. Mas isso não faz sentido algum, é mentira. É porque a Vodafone não consegue pagar o combustível. Recentemente, o produtor do Top Gear levou um Range Rover para os Alpes para passar uma semana levando tombos e voltou falido pela sede do V8.


Sei o bastante sobre a economia para saber que existe um negócio chamado inflação, mas o fato é: a inflação não é o único motivo pelo qual eu conseguia encher o tanque do meu carro com 3 libras, e agora preciso de 120 libras. Ir a Londres e voltar com a Mercedes me custa 50 libras (R$138,92). Isso sem as taxas, que somam 100 libras (R$277,83). Isso dá 500 libras (R$1.389,17) por semana. E isso dá 25 mil libras (R$69.458,53) por ano. O que é mais do que a renda média anual no país.


Portanto, é por isso que os garotos dirigem devagar agora. Porque embora eles agora possam conseguir música de graça, não se pode baixar creme para espinhas ou vodka pela Internet, e então não sobra nada para poder se dar ao luxo de queimar um litro de gasolina arrancando em um sinal verde.


Suponho, sendo honesto, que não são apenas os jovens. O mesmo se aplica para aposentados e famílias. Todo mundo, na verdade, exceto Elton John. É um luxo que poucos podem pagar, e acho que é hora de as fabricantes de automóveis tomarem uma atitude quanto a isso.


Muitos dirão, a essa altura, que elas já o fizeram. A Mercedes se uniu à Renault e à Nissan para desenvolver uma nova linha de carros pequenos. Estão tentando enfiar a todo custo um motor elétrico no Mini, e todos estão ocupados desenvolvendo carros híbridos. Mas eles estão esquecendo-se de uma coisa. Estão tentando igualar o preço da compra de um carro com os custos para mantê-lo, e essas coisas nem sempre andam juntas.


Não me importo em comprar um carro caro, mas me importo em ficar olhando o visor digital da bomba de combustível acabar com o saldo do meu cartão de crédito por um tanque cheio de algo que eu nem posso ver. E aí eu me pergunto se, nesses tempos difíceis, talvez alguém na indústria automotiva possa aproveitar alguns detalhes do Renault 5 Monaco.


Ele era, como você deve imaginar, um Renault 5, o que significa que era um carro pequeno e econômico. Mas por dentro, ele tinha vidros elétricos - raridade na época -, direção assistida, luxuosos bancos de couro e um sistema de som decente. Ele era, em outras palavras, um pequeno carro de luxo. Será que algo assim está fora de questão hoje em dia?


Quando as fabricantes pensam pequeno, elas pensam barato. E então elas o calçam com pneus finos e uma suspensão feita de papel alumínio e as peças do interior fixas com presilhas em vez de parafusos. Mas e se, digamos, a Mercedes aplicasse exatamente os mesmos princípios que usa para fazer um Classe S a um Smart?


Tenho certeza que se tivesse piloto automático controlado por radar e telefone com bluetooth e som da Bang & Olufsen e bancos macios como uma mulher gorda, seria um carro caro. E as fabricantes diriam que ninguém pagaria 40 mil libras (R$111.130) por um Smart. Mas por que não?


Eu particularmente não quero um carro caro. Não preciso de amplo espaço interno, e eu realmente não gosto das despesas com combustível. Mas não quero um carro pequeno no momento porque eles são todos como refrigerantes de cola genéricos: imitações baratas do verdadeiro. O que eu queria mesmo - e suspeito que não seja o único a pensar assim - é um carro pequeno e econômico que seja construído e equipado como um carro grande. Um Phaeton em pele de Golf, por exemplo. Ou um Freelander com absolutamente tudo que se pode ter em um Vogue SE. Ou, melhor ainda, um Fiat 500 que te faça se sentir em um Maserati Quattroporte.


Não acredito que algo assim seja impraticável, e acho que as margens de lucro para as fabricantes seriam bem vantajosas. Então elas ganhariam dinheiro. E eu economizaria no posto. Acho que é isso que acontece quando se faz 50 anos, algo que eu fiz mês passado: visão e sabedoria.


Fonte: Top Gear (Junho/2010)
Tradução: Dalmo Hernandes (Jalopnik Brasil)
Revisão e postagem:
John Flaherty


Toda Segunda-Feira, traremos artigos escritos por Jeremy Clarkson, falando sobre vários tópicos, quase todos sobre carros. Fiquem ligados.

14 comentários:

  1. realmente,tudo oq ele diz é verdade,principalmente nesse trexo:

    "Muitos dirão, a essa altura, que elas já o fizeram. A Mercedes se uniu à Renault e à Nissan para desenvolver uma nova linha de carros pequenos. Estão tentando enfiar a todo custo um motor elétrico no Mini, e todos estão ocupados desenvolvendo carros híbridos. Mas eles estão esquecendo-se de uma coisa. Estão tentando igualar o preço da compra de um carro com os custos para mantê-lo, e essas coisas nem sempre andam juntas."

    ResponderExcluir
  2. Concordo plenamente e adorei este texto, muito bom!

    ResponderExcluir
  3. "Elas achavam que éramos homens de verdade. Então íamos cada vez mais rápido, até bater"
    "Vermelho: acelere. Amarelo: acelere mais. Verde: solte a embreagem. Na minha cabeça, esse era o Código de Trânsito da época."
    esses tempos eram bom, ñ vivenciei mas pelo q ouço o mundo era melhor e mais tranquilo, hoje tmb o preço da gasolina esta impedindo de marcas construir bons carros.

    ResponderExcluir
  4. Jezza sabe muito!!

    ResponderExcluir
  5. Está coberto de razão o Jeremy Clarkson. O custo absurdo da gasolina e ainda todos os empecilhos que vem sendo criados para tentar vilanizar o automóvel são o problema, mas não justifica a inoperância das indústrias em nivelar por baixo o acabamento e níveis de equipamento em modelos compactos.

    ResponderExcluir
  6. Texto muito bom mas pra mim e pros engenheiros da Lotus luxo é o inversamente proporcional a potência.
    "Um Phaeton em pele de Golf". Coloque os bancos do RR no VW e o carro não sairá do lugar. Luxo pesa! Pra mover mais luxo é necessário mais potência. Pra alimentar mais potência precisa de mais combustível. Ou os Lamborghini se matam pra emagrecer 10kg a toa, tirando até o radio? O que é levado em conta pelas montadoras e por seus clientes hoje em dia é tentar andar mais rápido com menos dinheiro, mesmo q pra isso vc acabe em um kart!

    ResponderExcluir
  7. LOOOOOOOOOOOL a cara do jeremy clackson na foto XD

    ResponderExcluir
  8. Muito bom o blog, sem ele eu não seria fã de Top Gear.

    ResponderExcluir
  9. O Cygnet continua sendo um iQ com emblemas Aston.

    ResponderExcluir
  10. jezza sabe muito!!! porra um vidro eletrico e trava deveria ser de serie a anos, é 500gramas mais peso e pra montadoras não sairia nem a 150 reias.... eu só falo me cagar de riri quandop passo em lojas de carro e no vidro ta como opicionais, limpador traseiro e ar quente!!! hauahuah

    por isso amo meu temprão!!!

    []s

    ResponderExcluir
  11. A gasolina é barata, o que estraga é que os governos metem a faca nos impostos, aqui por exemplo, sairia mais ou menos R$1,50 o litro o preço real dele, praticamente o que os americanos pagam hoje, com impostos.

    Eu teria um V8 ou V10 sem pensar duas vezes pagando US$3.70 o galão de gasolina.

    ResponderExcluir
  12. Um Smart Turbo aqui pra nós sai por R$99.900,00, o Jezza tem razão, ao menos os brasileiros não se importam em pagar por volta de £40.000,00 por um Smart mais equipado.

    ResponderExcluir