terça-feira, 18 de outubro de 2011

James May: é difícil dizer adeus

jamesmay460

Desde que era um adolescente, sou um fã às escondidas do colosso do rock AC/DC. Não é uma banda intelectual; de certa forma, é a "comfort food" do rock, como arroz e feijão em forma de som, sempre satisfaz, fácil de digerir e é o que você escolhe quando está genuinamente faminto.


Meu colega Hammond comprou o álbum Black Ice antes de mim. "O álbum é bom?", eu perguntei, ansioso.

"Bom como AC/DC", ele respondeu. Bom.


Pessoalmente, ainda prefiro Back In Black, o primeiro álbum da banda sem Bon Scott e um dos álbum mais vendidos da história (na época). Minha cópia é uma edição especial para colecionadores, com a música em um lado do disco e um filme sobre a banda do outro lado. Então, é um CD/DVD do AC/DC. Mas a caixinha sumiu.


O disco, enquanto isso, ainda estava dentro do som do Boxster, de onde ele me acompanhou numa viagem até Devon. Haviam outros CDs dentro do carro também, muitos deles sem suas caixas. Isto me fascina. Onde elas foram parar? É como sair do pub e voltar para casa sem as calças: você deve ter vestido algumas quando foi para lá, e eu devo ter levado os CDs para o carro ainda dentro de suas caixas.


Pensamos nos carros como meios de nos liberarmos e uma expressão de nossos gostos e status, mas são apenas soluções elaboradas para armazenamento de CDs. Antes, eles carregavam fitas cassetes, e antes disso não se sabia exatamente para que serviam os carros.


Agora os discos teriam que sair, porque o Boxster e eu decidimos nos separar. Gostaria de dizer qu ainda seremos amigos, mas nós sabemos que isso não é realmente possível. Foi como buscar seus discos da casa de uma ex-namorada nos velhos tempos, mas pelo menos com CDs, ao contrário do que o The Police nos disse, eles não estão todos riscados.


É um momento triste, ter que limpar o carro antes de vendê-lo. Imagino que Howard Carter sentiu o mesmo ao abrir a tumba de Tutankhamon. Na verdade, isso é ridículo. Nenhuma destas coisas irá para uma exibição e nada é de valor. É apenas um amontoado de tristes lembretes de tempos passados que, se estivessem dentro de casa, teriam sido descartados ou, no mínimo, arrumados há muito tempo.


No porta-trecos da porta do motorista, por exemplo, tinha uma boina - parecida com a que o Brian Johnson do AC/DC usa, pensando bem - que um amigo comprou para mim quando o carro ainda era novo, para segurar me cabelo quando o teto estivesse recolhido. Finalmente, eu o coloquei na minha cabeça, mas como esteve dobrado por cinco ano, eu parecia com um enorme apoio para porta com um rosto. Para o lixo.


Achei meu GPS portátil também, mas é só portátil porque ele cobriu 32 mil quilômetros em um porta-luvas, privado do adaptador para o acendedor de cigarros. Imagino se ele está no mundo subterrâneo desconhecido com todas as caixas de CD - sem falar das tampas de esferográficas.


Isso explica porque, atrás do banco do passageiro, tinha um guia das ruas de Londres. Exceto que algumas páginas estavam faltando, porque minha companheira acredita que estas coisas têm encadernação espiral e são perfuradas para que a página que precisa possa ser rasgada facilmente. Para o lixo.


Há mistérios, também. Eu poderia explicar, se tivesse espaço, como uma bota Wellington, dois cartuchos usados de espingarda e uma faca apareceram no porta-malas dianteiro. Mas o que é isto? Um pára-sol gigante, mas só a parte de cima, de algum lugar como o jardim de um pub. Como ele foi parar ali? Não sei, policial. Não é meu e nunca o vi antes. Eu o roubei? Você perdeu algo parecido? Estou com ele.


No outro porta-trecos tinha uma cópia enrolada da revista Heat. Eu juro pelo bom Deus que não sei como isto conseguiu entrar no meu carro. Fiquei de pé segurando aquilo, embasbacado. Teria ficado menos impressionado se tivesse encontrado uma das cartas de São Pedro para os Coríntios ali.


Com as porcarias masculinas removidas, era hora de me afastar e chafurdar na auto-dúvida e auto-recriminação. A separação é sempre difícil, mas não que eu não o tenha amado. Ele ainda está praticamente novo, salvo por uma marca feita por uma pedrinha no capô e uma ruga bem minúscula do tecido do banco do motorista. É que eu encontrei algo mais adequado numa concessionária local.


Talvez alguém vá acabar comprando meu velho Porsche. Espero que sim. É um ótimo carro. Se você fizer isso, e for procurar muito, muito cuidadosamente, você encontrará uma cópia sem caixa do Back In Black, do AC/DC.


Aproveite os dois. Eu aproveitei.


Fonte: The Telegraph (05/11/2010)
Tradução: John Flaherty

Toda Terça-Feira, traremos artigos escritos por James May, falando sobre vários tópicos, quase todos sobre carros. Fiquem ligados.

3 comentários:

  1. ainda bem q o avião ñ ta ligado la na foto se ñ adeus james may D=

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  2. Os texto do James são muito bons! E o gosto musical dos três é fantástico também!

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  3. eu entendi bem? May colocou um cd escondido no carro como um easter egg para o próximo dono?
    que interessante! :D

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