segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Jeremy Clarkson e os efeitos especiais


Outro dia, por razões não muito claras, eu decidi sentar e rever Armageddon, um extravagante blockbuster de Hollywood onde alguns americanos têm 18 dias para tentar evitar que uma rocha do tamanho do Texas acerte a Terra a 35.000 km/h.


É tudo muito excitante. Paris é destruída. Assim como Owen Wilson. E, numa cena bem angustiante, as Torres Gêmeas também. Bruce Willis, enquanto isso, faz um monte de caras sérias e então, ele morre também. Mas não antes de salvar todos do planeta do que Bill Bob Thorton chama de "todas as piores partes da Bíblia".


Mas o engraçado é que, quando você realmente presta atenção, este é um dos filmes mais estúpidos já feitos. Rádios funcionam, depois não funcionam. A gravidade vai e volta. Petroleiras são criadas em um dia. Fones de ouvido aparecem, depois desaparecem.


O enredo tem mais furos do que um ninho de cupins.


E então, tem o roteiro. Minha Nossa Senhora. Quem achou que era uma boa idéia pedir para o Bruce Willis dizer: "não guardo segredos da minha filha Grace"? Ou é "minha filha", ou é "Grace". Ou "dela". Dizer "minha filha Grace" é ridículo. Ninguém faz isso.


Tem outra cena na plataforma de petróleo onde, novamente, pedem a Bruce que faça um monólogo de tamanha ineptidão que ele simplesmente desiste na metade do caminho.


Não sei como isto acontece. Por que um diretor simplesmente não lê as falas que pedem para o Bruce dizer e mostrar ao cara que as escreveu que elas não fazem o menor sentido? Eles se esforçam para criar demolições incrivelmente realistas em Nova Iorque, e no Oriente Médio e na Estação Espacial russa, mas entre as explosões, o elenco pode muito bem ficar dizendo "blá-blá-blá".


Bastardos Inglórios é um pouco diferente, porque a primeira cena é quase perfeita. Nenhum russo explode. Não há cenas de lesbianismo. Apenas dois homens em uma sala, conversando. Principalmente sobre leite. E ainda assim, é tão cativante que posso garantir que se você pegar um pedaço de pipoca quando a cena começar, ele ainda não terá chegado na sua boca quando ela terminar, 10 minutos depois.


A esta altura, acho melhor dizer que sou um fã do Tarantino. E a razão para eu ser um fã do Tarantino é que ele presta atenção em tudo; o que as pessoas dizem, a aparência delas, e porque elas estão fazendo o que estão fazendo. Assista Kill Bill 2 e vejam o sofá na fazenda do Bill, no fim do filme. É perfeito.


E tem os carros. Bill dirige um De Tomaso Mangusta ("fuinha" em italiano, o único animal temido por uma Cobra). Óbvio. É o único carro que ele poderia dirigir: um americano que, ao mesmo tempo, não é americano.


Daryl Hannah usa um Trans Am com uma águia no capô. Enquanto Uma Thurman, que tem dois olhos, tem um Karmann Ghia. Dá para perceber que Quentin passou horas, talvez dias, sofrendo por causa destes detalhes minúsculos, mas é precisamente isso que torna (quase) todos os seus filmes tão mais atraentes do que os blockbusters ao estilo "na dúvida, basta explodir".


Certo. A esta altura, você provavelmente deve estar se perguntando como diabos eu posso fazer a coluna deste mês caber numa revista de carros, sem que ela pareça uma coluna de uma revista de ferromodelismo ou de equitação.


Simples. Eu queria que as montadoras agissem mais como Quentin Tarantino e menos como Michael Bay, o louco irresponsável que jogou Armageddon para cima do público de cinema.


O problema é que, assim como Bay, as montadoras são obcecadas pelos efeitos especiais supercaros. Elas acham que nós queremos limpadores de pára-brisa automáticos e, como disse Michael McIntyre, "pessoinhas" nos pára-choques que fazem escândalo quando manobramos perto demais de um muro.


Elas acham que queremos 600 cavalos porque suas rivais podem nos oferecer apenas 570, e que queremos porta-trecos refrigerados no porta-malas onde podemos guardar a limonada que elas acham que nós tomamos nos piqueniques que não organizamos.


Mas todas estas coisas são superficiais. Elas são perfeitas para nos entreter a curto prazo, mas no longo prazo, prefiro sentir que o painel foi aparafusado no lugar, e não apenas encaixado. E que as mangueiras de freio são feitas de titânio, e não borracha.


Às vezes eu olho para o assoalho do passageiro dianteiro da minha Mercedes e fico com uma terrível sensação de medo ao ver que a cobertura do alto-falante está meio solta. Também me irrita o fato do som que sai do rádio seria inaceitável num rádio transistorizado de 1974. E que as fivelas do cinto de segurança estão dentro dos apoios laterais dos bancos, onde não dá para alcançá-las se você tiver um traseiro.


Do mesmo modo, eu me irritei quando descobri, enquanto dirigia a nova Classe S mês passado, que não há nenhum porta-copo na frente. Só pode haver um motivo para isto. Já que o homem responsável pelo desenvolvimento deste carro não poderia ter dito "não vamos nos preocupar com isso", pois isso seria algo estúpido de se dizer, ele deve ter se esquecido. Portanto, é um erro. Como dar um Nissan March para o Bill do Kill Bill.


Também testei a nova SLS AMG, e sob certos ângulos parece ter sido projetada por alguém que estava prestando atenção. O motor é grande e simples e barulhento. O interior tem um acabamento parecido com o de uma maleta cara. E acredite, ao vivo ela parece um milhão de vezes melhor do que nas fotos. Ela é completamente fabulosa.


Mas não consigo tirar aquelas portas da minha mente. Sim, elas remetem aos SL de antigamente, e, sim, tenho certeza que os parafusos explosivos que detonam as dobradiças em caso de um capotamento são um belo toque. Mas portas como esta não ajudam na hora de entrar e sair do carro. Não se pode parar numa garagem com teto baixo. Fazem você parecer um exibido. E se tiver menos de 1.50 metro, Hammond, não será possível alcançar as alças para puxá-las para baixo, quando estiver sentado dentro do carro. Em outras palavras, criaram um incrível efeito especial, mas enquanto eles faziam isso, eles não puderam concentrar-se totalmente no roteiro, e no enredo e nas coisas que, na verdade, importam mais.


Eu escolhi a Mercedes para meus exemplos principalmente porque é a Mercedes que costumava usar a abordagem Tarantino. Veja os modelos W123. Nada de aliens. A Casa Branca não explodia, Will Smith não estava dentro do porta-luvas com um gracejo. Era apenas carros bem feitos.


Acho que esta deveria ser a abordagem que o pessoal da Spyker deveria usar, enquanto tentam criar o próximo Saab. Já que ela será comprada, principalmente, por arquitetos, e como arquitetos preferem uma abordagem minimalista, direta e livre de baboseiras, que tal uma versão moderna do velho W123? Sem nenhum penduricalho. E por favor, nada de afirmar que é um caça a jato com um cinzeiro.


Mas quero concluir com a Jaguar. Os engenheiros deles devem achar que precisam da tela de GPS bipolar e uma alavanca de câmbio que ergue-se do console central. Eles devem achar que não podem competir no grande e turbulento mundo do multi-nacionalismo sem essas coisas.


Bem, quero encorajá-los a assistirem Guerra ao Terror. Orçamento minúsculo. Ganhou seis Oscars. Todos adoram o filme.


Fonte: Top Gear (Maio/2010)
Tradução: John Flaherty


Toda Segunda-Feira, traremos artigos escritos por Jeremy Clarkson, falando sobre vários tópicos, quase todos sobre carros. Fiquem ligados.

11 comentários:

  1. Simplesmente perfeito! Até parece que ele fala do Brasil especificamente, pois oquê mais tem é: esse tem AC analógico com mostrador digital para facilitar o ajuste, mas a plataforma é da decada retrasada. E assim por diante.

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  2. pessoal do top gear br eu ja estou cheio desses textos eu quero EXPISÓDIOS do top gear

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  3. Pode continuar com os textos.. são muito interessantes.. e quando vocês tiverem tempo.. os episódios seram bem vindos..

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  4. Você não deve ter ideia mesmo do trabalho que da pra legendar um episódio inteiro, sincronizar as legendas e postar no Megavideo ou coisa parecida. Você só "enxerga" o link prontinho, sendo que o único trabalho incumbido à Vossa Excelência é clicar e assistir.
    E mais, eles fazem tudo isso por simplesmente serem fãs de um programa de carros, compartilhando conosco, sem nenhuma obrigação, os episódios.

    Pense um pouco mais antes de criticar o trabalho do pessoal do blog.

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  5. Acho que descobri o blog a mais ou menos um mês, e até então, só baixei o episódio que fala do Senna (motivo pelo qual descobri sua existência). Mas dando uma passada pelos artigos, fui vendo esses textos (do May e Hammond também são muito bons), e agora espero pelos dias certos pra poder ler. Não encontro nada tão realista, crítico e contemporâneo em revistas nacionais. Infelizmente não tenho mais paciência para ler as hipocrisias da Veja ou revistas do tipo, então não me restam muitas alternativas.
    Sobre o comentario do nosso colega Bruno Zen Zortéa, sou obrigado a concordar com Carbonera, e ainda, perguntar se tu fala inglês, dessa forma poderia ajudar o pessoal com a tradução. Ou se já pensou em como seria uma forma de contribuir com a qualidade do blog que tu mesmo frequenta. Pois creio que tu não acredite que esteja contribuindo ao cobrar dos caras que já estão tendo uma iniciativa e tanto.
    Obrigado.

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  6. De forma geral eu gostei, mas acho que o Jeremy cai em contradição ao falar da porta do sls, pois nos episódeos ele fica falando bem e admirando o carro por causa das portas..

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  7. Por isso que sou apaixonado pelos Lotus! Simples, funcionais, rapidíssimos e sem frescuras.
    Também me amarro no Tarantino!
    Odiei Guerra ao Terror!!!!

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  8. Confesso que procurei o link e li em inglês pois não faltaram alguns pedaços para serem "traduzidos" da tradução do Google. Mas tá legal.

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  9. Genio, essa é a definição do Jezza!!! ahuah

    po isso é o mais penso quando vejos lançamentos de alguns anos pra ca, muita coisa pra falar no anuncio, mais na pratica nada interessa! As montadoras colocam muito placebos nos carros, igual ao ponthi disse, ar analogico vendido como digital, 30 porta trecos como uma coisa util, até o limpador automatico, acho que se o cara não lembrar de ligar ou não tiver paciencia pra ligar eele nem deveria estar dirigindo!
    as pessoas esperam tanto pros carros andarem sozinho e levarem elas por ai....e eu digo, ja existe, se chama BUSÃO! hauhauhauhauahahua

    por isso carros mais antigos matam a pau essas porcarias, pra mim um vectra CD ou GSI de 1994 da de 15 a 0 num vectra elite e num GT de 2011!

    []s

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