domingo, 27 de novembro de 2011

Clarkson e os comerciais


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Mesmo com o Top Gear se esforçando para fazer o carro parecer excitante, e mostrar a malha rodoviária como uma teia de liberdade e velocidade, ninguém realmente está escutando.

Uma pesquisa recente na minha casa descobriu que futebol é, de longe, mais interessante do que a mais exótica ultrapassagem feita por Lewis Hamilton, enquanto um questionário mais abrangente revelou que, hoje, a maioria dos adolescentes desejam ter o smartphone mais recente do que um carro.

Quem pode culpá-los? No futebol, quando um jogador comete um pequeno erro, ele recebe um cartão amarelo, e o jogo segue em frente. Quando um piloto de F1 comete um pequeno erro, ele é forçado a passar pelos pits, e tudo já era. Pode até mudar de canal e assistir um torneio intermunicipal de costura.

É a mesma história com o marketing. Há não muito tempo, comercias de carros eram muito parecidos com o Top Gear hoje em dia. As montadoras vendiam sonhos. Estradas desertas. Garotas bonitas. Homens com barba curta. Não é mais assim. Agora, só se fala em 0% de juros e segurança e tudo mais, coisas que não atraem pessoas com espinhas.

No noticiário, carros agora são vistos como um incômodo. Eles entopem as ruas, atropelam pessoas e matam ursos polares. Então, mesmo se alguém nutrir uma leve idéia de que seria legal, um dia, ter uma Ferrari, o som vindo do rádio e a visão da janela servem como um lembrete constante que, na verdade, você simplesmente estaria preso num congestionamento com todo mundo, e recebendo olhares aborrecidos por você ser bem-sucedido e egoísta.

Eis o outro problema. A Humanidade costumava celebrar os sábios e os ricos. Agora, admiramos os estúpidos e os gordos. Nós assistimos ao The X Factor para ver pessoas exibindo sua inutilidade, e gostamos de "The Only Way is Essex porque todos são tapados. Pessoas espertas são zombadas. Os ricos são odiados. E carros, como os símbolos mais evidentes da riqueza de alguém, estão fadados a sofrer.

Até bem recentemente, você esperaria ver o Primeiro Ministro no banco traseiro de um Daimler ou de um Bentley. Agora, você espera vê-lo numa bicicleta ou no metrô.

A conclusão é inevitável: logo, as pessoas vão parar de comprar carros aos milhões, como temos visto nas últimas décadas. Iremos parar de perguntar O QUE as pessoas dirigem e perguntar SE elas dirigem.

E, francamente, não sou só eu que pensa assim porque, há não muito tempo, a Peugeot bolou um esquema chamado Mu, que é parecido com um "car club". Mas não sei porque eles o batizaram com o nome de uma medida para o coeficiente de atrito...

A idéia é que você não é dono de um Peugeot exatamente, mas você tem acesso a todo tipo de veículo que ela produz. Então, você pode usar uma bicicleta ou uma scooter para trabalhar, uma minivan se quiser levar a família para viajar no fim-de-semana, e um conversível quando estiver ensolarado.

Eles até dizem que podem oferecer bagageiros de teto e GPS e ter uma equipe de pessoas prontas para reservar uma mesa num restaurante para você. Mas aposto que se você quiser um conversível num dia ensolarado, e uma mesa para quatro na Scott's em Mayfair, você poderá descobrir que eles terão um pouco de trabalho.

Mas este é o menor dos problemas do esquema. Este é o maior: a Peugeot não está fazendo exatamente o mesmo que a Hertz e a Europcar têm feito por anos? É apenas um negócio de aluguel de carros, sendo que a única diferença é que você fica com um Peugeot. E a maioria dos seus produtos, para ser honesto, evidenciam mais as alegrias do transporte público.

A Honda pode ter sucesso porque numa semana você poderia alugar um quadriciclo, então um gerador, então um balão de ar quente e, então, uma lancha. Mas será que não seria melhor fazer coisas que as pessoas queiram comprar...?

Isto me leva de volta ao mundo da propaganda. Tudo piorou. Houve um tempo quando agências britânicas como a Goodyear, Stickleback and Bunsen Burner dominavam o mundo com sua inteligência e sua habilidade de passar a mensagem, simplesmente mostrando uma garota pendurando seu casaco de pele num parquímetro. Elas até podiam pegar o pior produto do mundo e, fazendo uso de stuil sagacidade, nos convenceria que ficaríamos mais atraentes com esse produto. Carling Black Label vem à mente nessa hora.

Naqueles dias, você viajava pelo mundo e ria das tentativas estúpidas e mal-feitas de outro país para fazer as pessoas comprarem coisas, e você desejava voltar para casa, onde os comerciais eram, de longe, a melhor coisa na ITV.

Isso acabou. Na cerimônia do Oscar da propaganda deste ano, nossas agências voltaram para casa quase que totalmente de mãos abanando. Recebemos menos nomeações do que os romenos e fomos derrotados na categoria de propaganda impressa pelos americanos, pelos espanhóis e até pelos brasileiros.

Obviamente, muito do problema está nas tolas regras que regem o que pode e não pode ser dito por homens usando blusas com gola rolê. Quando James May e eu fizemos nosso comercial de TV do Scirocco a diesel, nós ficamos chocados com a quantidade massiva de burocracia que uma mente criativa tem que transpor. Em suma, não se pode retratar um carro como sendo rápido, glamouroso, excitante, sexy, divertido ou nada das coisas que ele foi projetado para ser. Então, obviamente, nossos marqueteiros foram até a premiação com suas mãos e pés amarrados, enquanto "Borat & Co." apareceram com uma série de comerciais que diziam que carros rápidos aumentam suas chances de levar alguém para a cama.

Mas tem outro problema, também. Os clientes, as pessoas que pagam pelos comerciais, estão cada vez menos propensos a assumirem riscos. Eles não querem gastar meio milhão de libras numa campanha que possa ofender duas pessoas em Nottinghamshire. Então, eles optam pela porcaria insípida e segura, que é ainda pior do que a programação que ela banca.

E então tem o problema da globalização. No passado, os coemrcias que você via na TV aqui eram feitos aqui. Agora, tem Mazdas com placas reversíveis acelerando estupidamente ao som de uma trilha sonora que pode fazer sucesso no "cinturão" do Europop, mas aqui é simplesmente ridículo. A última grande campanha foi a série "não seria ótimo de tudo funcionasse", da Honda. Mas parece que eles desistiram agora.

Bem, isto tem que parar. Os chefes das montadoras precisam lembrar a seus gerentes de marketing que, a não ser que parem de enrolar e permitam que as mentes criativas trabalhem em paz, eles irão acabar com um esquema como o da Peugeot. Alugar bicicletas para tolos. A propósito, já pensei numa campanha para isso. "Quer algo para o fim-de-semana, senhor?"

Fonte: Top Gear Magazine (Dezembro/2011)
Tradução:
John Flaherty

Toda Segunda-Feira, traremos artigos escritos por Jeremy Clarkson, falando sobre vários tópicos, quase todos sobre carros. Fiquem ligados.

11 comentários:

  1. Eu gosto dos textos, mas é uma pena que acabaram os episódios legendados...

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  2. eh vdd. deveriam colocar mais, e tenho algumas sugestoes. algum tempo atras eu tava procurando o epsodio de um desafio que o jeremy vai com uma 612 scaglietti, o desafio que ele vai com o veyron e outro que eu ouvi falar mas nunca assisti, um outro desafio dele com uma SLR.

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  3. os episódios voltam no natal não é?

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  4. Os textos do Jeremy são sempre muito bons. Achei engraçado que ele se surpreendeu que os "marketeiros" ingleses perderam para os brasileiros. Todos sabemos que nossa propaganda é muito boa.

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  5. Não acabaram! O que acabou foi o tempo e disponibilidade de pessoal, já que todo mundo ficou enrolado no trabalho e final de semestre na faculdade! EM BREVE ESTAREMOS DE VOLTA COM A EQUIPE TODA...

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  6. Nós sabemos, mas eles acham que o Brasil é uma floresta bem grande chia de aranhas que picam sua perna e faz seu corpo gangrenar.

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  7. Alguem ai ja achou a legenda para o novo dvd do Clarkson? Powered Up!

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  8. Po fiquei meio triste e ao mesmo tempo feliz com Jeremy,''fomos derrotados na categoria de propaganda impressa pelos americanos, pelos espanhóis e até pelos BRASILEIROS.''
    sacaneo, mas ele é assim mesmo né, curti o texto e concordo com ele, deve ser horrível ter algo otimo e do nada se tornar algo ruim, me lembra o futebol no Brasil ;/

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  9. Sim, e ele será legendado logo, junto com o DVD do Hammond e May, "Top Gear at the Movies".

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  10. Sim, na semana do Natal - quem sabe no próprio dia 25 de Dezembro - o Top Gear voltará com o Especial Índia.

    Assim que recebermos uma confirmação, iremos informá-los.

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  11. Bom saber Jaislan! Achei que o foco do blog tinha mudado.

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