quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

TopGear.com conversa com Mizuno-san, o "Senhor GT-R"

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Numa antecâmara no antigo prédio dos boxes de Silverstone, um homem baixinho usando um terno marrom está andando e balançando seus braços. Este é Kazutoshi Mizuno, o pai do veloz Nissan GT-R, e ele não está muito feliz.

"Pensar que meu carro é pesado demais é um erro!", ele diz, batendo palmas para enfatizar. "Todos os jornalistas dizem: 'O GT-R é pesado, pesado, pesado - ele deveria ser mais leve, mais leve, mais leve!' Eu digo que jornalistas precisam desenvolver um raciocínio mais profissional! Estudar mais! Pensar mais! O GT-R precisa ter este peso. Um carro mais leve não tem boa dirigibilidade. Um peso menor pode ser perigoso. E nem todos os consumidores poderão dirigi-lo. Você tem uma responsabilidade com o consumidor. Eu tenho uma GRANDE responsabilidade com o consumidor!"

Há uma breve pausa enquanto Mizuno-san contempla. E ele começa a falar de novo, agora atacando um quadro negro tentando explicar alguns conceitos básicos de Física. Eu teria prestado mais atenção na escola se tivesse um professor tão comprometido como este.

"Todos têm o direito de curtir um supercarro e a performance de um supercarro," ele diz, firmemente descrevendo seu modus operandi. "Todas as pessoas, em qualquer lugar, a qualquer hora. Antigamente, o supercarro era um produto de nicho. Queria expandir o mercado. Porta-malas grande. Performance acessível. Você pode guiar meu carro a 300 km/h junto com sua esposa. Antes do GT-R, era tudo um sonho. Depois do GT-R, o sonho virou realidade."

Suas mãos movem-se rapidamente pelo quadro negro. Seu rosto com rugas, mostrando concentração. Mesmo cansado, seus olhos brilham intensamente.

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"Então, como se produz um carro? Posso dar um exemplo bem simples. Imagine contornar uma curva veloz em um carro de F1, e ele tem os melhores pneus do mundo. Um carro de F1 pesa 560 quilos, ou mais de 600 quilos com o piloto. Quanto downforce um carro de F1 gera? Hoje em dia, cerca de 1.300 quilos. Então, qual é o peso total dele? 1.860 quilos (coincidentemente, quase o mesmo que um GT-R junto com o motorista). Um carro de GT1 pesa entre 1.200 e 1.300 quilos. Junto com 600 quilos da downforce, o peso real do carro é de 1.800 quilos... Pronto, muito fácil!"

Mizuno é um dos motivos para adorarmos o Japão e sua indústria automotiva. Obviamente imbuído da tal "visão", de algum modo o vasto edifício corporativo que são os grandes negócios japoneses encontra espaço no sótão para personagens como este. É por isso que o Nissan GT-R faz o que faz, e de uma maneira completamente diferente dos seus rivais europeus e americanos. E enquanto estou coçando a cabeça tentando acompanhar a lógica (às vezes meio confusa) do Mizuno, isso não se compara a sensação de deslocamento que você sente quando o GT-R lança-o à outra ponta de uma curva molhada a uma velocidade que parece zombar das leis da Física. Há um leve toque de loucura nisso tudo, mas também uma grande dose de genialidade. E quando você conhece o homem por trás disso tudo, as coisas ficam claras. "A aderência dos pneus é a essência da performance", ele diz. "Quero que todos os quatro pneus tenham aderência constante, então o equilíbrio é muito importante. Por isso que o GT-R tem um V6 frontal e um eixo de transmissão traseiro. É o melhor para o equilíbrio. Tudo começa com a quantidade de peso sobre todas as quatro rodas".

Mizuno inclusive relembra bem humildemente uma epifania do começo de sua carreira. "Comecei a trabalhar na Nissan em 1972", ele diz; "Sempre estava dormindo durante o horário de trabalho, não trabalhava muito, não ficava até mais tarde. Quando ainda era um estudante, projetei um Fórmula Júnior. Na Nissan, estava envolvido apenas em desenhos de peças, não no desenvolvimento de carros. Entre 1972 e 1975, não fui um bom empregado. Então a companhia enviou-me para uma concessionária, e disse, 'Por favor, estude o consumidor'. Vendi carros para deficientes enquanto estive lá. 'O carro é parte da minha vida; ele é um ser humano', como me explicaram. Minha mente mudou completamente. Percebi que o mais importante é que o carro é para um cliente..."

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Voltaremos ao mantra dele depois. Mizuno também falará carinhosamente sobre suas aventuras em corridas de enduro do Grupo C entre o fim dos anos 1980 e começo dos 1990 (principalmente para demonstrar seu conhecimento em fibra de carbono e freios de carbono-cerâmica, e minha falta de conhecimento neles). Mas por hora, tem o GT-R 2012, que é o motivo principal para estarmos aqui. Praticamente idêntico visualmente ao carro atual, Mizuno e sua equipe têm estado superocupados mexendo no pacote mecânico de maneira que o caráter geralmente indomável do GT-R seja mantido. O poderoso V6 biturbo de 3.8 litros ganhou cabeçotes revisados, válvulas com sódio, e um novo sistema de admissão, para melhorar a dirigibilidade, resposta do acelerador e reduzir emissões e consumo. A potência subiu para 549 cavalos (a 6.400 rpm, um aumento de 12 cavalos em relação ao modelo 2011), e o torque aumentou para 64.43 kgf.m. O transmissão de dupla embreagem é bem suave, e a rigidez da carroceria foi aumentada.

Não que o GT-R precisasse de melhoras: algumas voltas no novo traçado de Silverstone numa manhã fria mostra que este é um dos carros mais tecnologicamente completos do mundo, e arisco o bastante, apesar da tração integral e de um arsenal eletrônico, para infundir muito respeito no motorista. A maneira como utiliza seus pneus (Dunlop atualmente, no lugar de Bridgestone) é incrível, e também sabemos que o GT-R gerará mais força G lateral do que qualquer coisa vagamente comparável. Na verdade, praticamente nada consegue. Créditos para o controle de largada, também: como esta coisa consegue chegar a 100 km/h em 2.9 segundos sem vaporizar seus pistões e câmbio é extraordinário (fiz três tentativas apenas para ter certeza - todas foram perfeitas).

E isso nos traz de volta ao homem que possibilitou tudo isso. Um dos ajustes mais intrigantes do MY 2012 é o da suspensão: a suspensão dianteira esquerda possui uma mola mais dura que a da direita, e possui uma altura ligeiramente diferente. Isso porque Mizuno percebeu que, nos modelos com direção à direita, o peso do motorista nesse lado do carro afeta sua dinâmica. É uma atenção aos detalhes beirando a insanidade. Já estou esperando ele perguntar-me o que comi no almoço antes de deixar-me dirigir o novo carro. ("Comeu torta? Não irá dirigir meu carro até que a torta tenha sido digerida!")

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Não é de se esperar que um carro como o GT-R deveria vir apenas do Japão, eu pergunto, enquanto ele relaxar após outro ataque ao quadro negro.

"O GT-R é um supercarro japonês, sim. Então, o que é o Japão? Todos os carros alemães possuem alta qualidade e preço. Carros americanos são mais baratos e não tão bons quanto. Carros italianos são excêntricos mas não-confiáveis. A nacionalidade é maior que os carros. Novamente, o que é o Japão? (Ele volta ao quadro negro) Ele é takumi. Este é o espírito japonês! (Takumi, a grosso modo, significa habilidade e arte) Por exemplo, a avó compra um quimono, a mãe e a filha fazem o mesmo... takumi, então, modifica as coisas de cada uma. É uma habilidade especial que acrescenta algo especial na mente do consumidor, e passa-a para a próxima geração. Então o GT-R é takumi. Eu faço isso para o consumidor, não para minha própria vaidade ou o da companhia".

É para isso que serve o Track Pack, e o pacote de personalização com o singelo nome Egoist ("Egoísta"), com o qual o(a) motorista pode ajustar seu carro sem precisar de partes "aftermarket" ("essência muito entusiasmada para o consumidor"). Mas e quanto a pessoa que realmente quer chegar ao limite? O GT-R poderia ser, sabe, um tanto controlador? Por exemplo, eu digo a ele que gosto de carros com um pouco de sobresterço. Mais um erro.

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"Sobresterço é bobagem", ele diz. "Apenas pessoas tolas projetam carros assim. Apenas um engenheiro inteligente consegue projetar um carro estável. Um carro que tenha o máximo de aderência não é perigoso. Um carro tem duas tarefas: uma é a ecologia, criar um futuro melhor. É importante curtir um carro de alta performance, mas é mais importante preservar a vida. É melhor ter pneus com boa aderência do que torque máximo. Todos os consumidores podem curtir dirigir este supercarro! Todos os consumidores podem facilmente curtir 500 cavalos e acelerar até 100 km/h em três segundos! Qualquer um, em qualquer lugar, a qualquer hora pode curtir isto. Outros carros, apenas um engenheiro de desenvolvimentos especiais pode curti-los..."

Esse é o Mizuno-san: fornecedor de níveis de performance e de diversão de Bugatti Veyron pela fração do preço. Possivelmente o engenheiro automotivo mais maluco que já conheci, e certamente um dos mais brilhantes. Mas mesmo isso, como ficou claro, não pode ser uma descrição totalmente precisa.

"Sou como o pintor que continua pintando, em busca da pintura perfeita, até o dia de sua morte. O GT-R é igual a um artista pintando um quadro. Nada jamais é perfeito, mas devemos seguir em frente. Uma mente takumi não possui um objetivo traçado."

Texto: Jason Barlow
Fotos: David Shepherd
Fonte: TopGear.com
Tradução: John Flaherty

14 comentários:

  1. O GT-R é um dos meus carros preferidos. Ele bate de frente com carros muito mais caros. E ele pelo menos para mim é muito bonito. Se se eu tivesse uns R$ 500.000,00 com certeza compraria um GTR

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  2. tipo... a melhor entrevista ever... se um dia eu puder ter 10% da genialidade dele, morro feliz... kkkk

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  3. caraca, muito boa essa entrevista, sem vocês eu talvez nunca teria lido ela, valeu TGBR !

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  4. Ele convenientemente esqueceu de comentar o conceito de inercia na entrevista, diferença basica e fundamental, dos 1800kg do carro dele, para os 1800kg de um F1...O peso do carro se desloca, o peso do ar gerado pelo downforce não... Ele consegue lidar muito bem com o alto peso do carro, brilhante, conseguiu fazer um carro com pouco uso de materiais nobres($$), e rapido. Mas nada substitui a relação peso/potencia, vide carros como Ariel Atom, Lotus, Noble, McLaren F1....

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  5. Curti Mil vezes!

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  6. Corretíssimo. O peso pode ser o mesmo mas, o que conta na força centrípeta é a massa mv²/r. A força de atrito conta é o peso.
    Então, muito peso (pelo downforce) e pouca massa quer dizer pouca força pra tirar o carro do traçado e muita aderência.

    Mas, gostei muito do testo, o gtr é "quase" um veyron mais barato, "quase".

    Vlw pessoal da tradução.

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  7. Fantástico este texto!!
    Fico pensando, será que no Brasil os carros são feitos para nós os consumidores?? Assim como foi com o GT-R!!

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  8. SENSACIONAL!! Que entrevista bacana! Tem muito jornalistasinho brasileiro que deveria trocar umas palavras com o senhor Kazutoshi Mizuno!

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  9. afinal o GTR e um carro ou um robo em forma de carro? o GTR tem vida

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  10. MUUUUIIIITOOOO BOOMM... ESSE CARA É O EINSTEIN DO JAPÃO... E ESSA HISTÓRIA DO TAKUMI? ESSE CARA É UM GÊNIO o.O

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  11. mas tem uma coisa, para ter downforce do ar tem que estar andando rapido.

    com 1800kg o cara tem "downforce" por causa do peso a 10km/h dentro do estacionamento do shopping :p

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  12. Isso explica muito, inclusive o porque dos criadores de "Initial D" terem escolhido o nome de "Takumi" para o personagem principal.

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